Tou...? ouvia-te, mas nada ouvia...
A tua voz, que tão bem conhecia,
Arrasta-me para o passado,
Como num filme já rodado,
Mil vezes visto ...
... Mil vezes relembrado,
Emoções, sentimentos ,
Alvoraçam-me , autentico redemoinho...
E por momentos, apenas momentos...
Quis esquecer, senti carinho,
Mas depressa a chuva me arrefece o corpo,
Me alerta os sentidos,
A tua voz , nada diz de sentimento
Apenas me chega ao ouvido,
Uma justificação, um esclarecimento...
Que nada tem a ver com amor...
Como lamento...
Já não ouvia tua voz, há tanto tempo...
Rosinda
Eu sou o tempo no espaço da vida.
Ando lentamente, muito devagar,
Ou ando apressado, é uma corrida...
Sou muitas vezes mal aproveitado,
Passam os dias sem pensar em mim,
Quando se dão conta, sou tempo passado.
E dizem então... A vida é assim...!
Que fizes-te tu enquanto era tempo
Se passei por ti e nada fizes-te,
Tens sempre da vida o que tu quises-te
Não andes contra o tempo,
Vive antes com ele como te convém...
Porque ele não cansa , não pára...
É um dos defeitos que o tempo tem,
E tudo a seu tempo... é o que está bem.
Rosinda
PASSADO, PRESENTE, FUTURO
Eu fui. Mas o que fui já me não lembra:
Mil camadas de pó disfarçam, véus,
Estes quarenta rostos desiguais.
Tão marcados de tempo e macaréus.
Eu sou. Mas o que sou tão pouco é:
Rã fugida do charco, que saltou,
E no salto que deu, quanto podia,
O ar dum outro mundo a rebentou.
Falta ver, se é que falta, o que serei:
Um rosto recomposto antes do fim,
Um canto de batráquio, mesmo rouco,
Uma vida que corra assim-assim.
José Saramago "Os Poemas Possíveis"